Quem é vc na cebola climática?
Em qual camada da cebola do colapso climático você se encontra?
Quem gosta de cebola?
O tema hoje é a cebola do colapso climático, tema do vídeo que publiquei essa semana (nos meus perfis no Instagram e no Tiktok). Quem criou essa imagem da cebola do colapso climático foi Eliot Jacobson, um inusitado professor de Matemática (Ohio University) e de Ciência da Computação (UC Santa Barbara), que se dedica a analisar e a comunicar a crise climática. Ele utiliza essa metáfora para descrever como diferentes grupos sociais e ideológicos reagem às evidências científicas.
Segundo Jacobson, cada "camada" da cebola representa um grupo ou uma mentalidade específica que, direta ou indiretamente, contribui para o agravamento do problema. Ele categoriza essas camadas da seguinte forma:
Camada externa: os negacionistas clássicos (denialists) - rejeitam abertamente a ciência climática, muitas vezes financiados por interesses ligados a combustíveis fósseis. Argumentam que as mudanças climáticas são exageradas, ou pior, uma farsa, e dessa forma bloqueiam políticas públicas e disseminam desinformação, atrasando ações urgentes. É a camada mais visível e politicamente ativa, mas não necessariamente a mais perigosa, pois já está sendo desmascarada pela realidade dos eventos climáticos extremos. Exemplos: Bolsonaro, Trump etc.
Segunda camada da cebola: os "normies" (público geral) - representam a maioria da população, que aceita a existência das mudanças climáticas, porém não compreende sua gravidade ou urgência. Priorizam o conforto imediato e o "business as usual". Sua passividade e falta de engajamento permitem que os sistemas destrutivos (como o consumismo excessivo) continuem inalterados. A inércia dos "normies" é sustentada tanto por narrativas de desconfiança, alimentada por negacionistas, quanto pela crença dos tecno-otimistas, de que "alguém resolverá o problema" (governos, tecnologia), sem exigir mudanças pessoais ou coletivas radicais.
Terceira camada da cebola: tecno-otimistas - acreditam que soluções tecnológicas (como captura de carbono, energia nuclear, geoengenharia e baboseiras ambientalistas do capitalismo verde) resolverão a crise sem a necessidade de reduzir consumo ou desigualdades. Promovem uma falsa sensação de segurança, desviando atenção da necessidade de reduzir emissões agora e de questionar o modelo econômico atual. Muitas tecnologias propostas são especulativas, caras ou insuficientes para a escala do problema, e o tecno-otimismo ignora limites físicos e ecológicos do planeta, operando a partir de um contexto irreal e priorizando a manutenção do modelo extrativista.
Quarta camada da cebola: os colapsistas (“doomers”) - reconhecem a gravidade do problema e entendem que é incontornável, uma vez que não poderemos mais “desaquecer” o planeta e, afinal, é uma questão de tempo para acabarmos com as condições de vida humana. Como compreendem a inevitabilidade do colapso, muitas vezes são levados à apatia total e à resignação, assemelhando-se aos negacionistas na inação. Alguns até romantizam o fim da civilização industrial. Essa narrativa paralisa ações, pois reforça a ideia de que "nada pode ser feito".
Na verdade, essas camadas da cebola se reforçam: a negação alimenta a passividade, o tecno-otimismo justifica a procrastinação, e o doomerismo desmobiliza.
Tomei a liberdade de renomear no vídeo o termo “colapsista“ para “colapso-realista” porque achei que o termo “colapsista”, sem uma explicação atenciosa, passaria uma ideia esquisita, tipo aquelas pessoas que são obcecadas por catástrofes e até desejam isso, e não é o caso, óbvio. Apenas reconheço que o caminho não tem volta, o desequilíbrio não pode ser resolvido, apenas mitigado… e sendo realista ainda vemos a aceleração do modo de produção que nos trouxe até aqui. Para piorar, a essa altura do campeonato as instituições e a mídia ainda tratam o assunto de forma desonesta e enviesada, com discursos superficiais, rasos e tolos demais - bem como mostrou aquele filme da Netflix “Don't Look Up” (que eu nem acho um grande filme, mas ilustra bem a situação). Ainda assim, tenho fé na luta política, acredito na desaceleração sustentável e no ecossocialismo e, enquanto houver vidas e biodiversidade para proteger, há motivos para não sucumbir ao derrotismo e à resignação baixo-astral operada por bilionários e capitalistas. Deitar para eles jamais.
O Eliot Jacobson e outros cientistas falam na combinação de ações radicais, justiça socioambiental e comunicação honesta, porém estratégica.
Ações radicais: em primeiro lugar, nos unir para cobrar obviamente pelo fim imediato de subsídios a combustíveis fósseis. É inacreditável que ainda estejamos colocando grana nisso, inclusive acelerando a desertificação da floresta Amazônica por conta desse absurdo. Sério, bizarro. Eu sei que as grandes emissões brasileiras de carbono não são oriundas do petróleo, e sim do mau-uso do solo (culpa da expansão do agro para exportação), mas ainda assim isso não nos dá passe-livre para deteriorar ainda mais nosso subsolo e muito menos foder com a floresta, que além de ser o lar de muitas pessoas é um possível escudo contra eventos extremos.
Se é imprescindível parar os financiamentos a petróleo, gás e carvão, responsáveis por 86% das emissões globais de CO₂ (dados do IPCC, 2023), não faz sentido seguir abrindo novos poços (que vão começar a gerar petróleo e gás daqui 10, 15 anos). Portanto, observando os movimentos do Governo Lula, pressionando pela instalação da Petrobrás na Foz do amazonas, isso coloca nosso governo atual na trilha negacionista do resto do mundo.
Também temos que pressionar pela transição acelerada para energias renováveis: priorizar solar, eólica e outras fontes limpas (isso não inclui hidrelétricas na Amazônia, tipo Belo Monte). Mesmo assim, temos que compreender que a atual demanda energética é insustentável, e não tem como fechar essa conta do crescimento infinito sem desacelerarmos e alterarmos nosso estilo de vida.
A redução do consumo global é inevitável e passa, obviamente, por diminuir a produção de bens supérfluos, especialmente em países ricos, e combater a cultura do descarte (fast fashion, eletrônicos de curta duração). E isso tudo não vai vir com reformas aqui e ali, mas com uma mudança sistêmica na economia.
Aliás, essa semana rodou bastante uma cartela do excelente portal “o Joio e o Trigo” que se encaixa nesses questionamentos:
Decrescimento e economia circular, que priorizem o bem-estar humano, e não o enriquecimento de bilionários safados, precisam estar no nosso imaginário de luta. A propósito, taxar os super-ricos e as corporações poluidoras e redistribuir recursos para financiar adaptação climática para os países pobres (que emitem menos e sofrem mais) são pontos que já deveriam estar no horizonte de qualquer pessoa que se interesse por um futuro menos distópico. Não deixemos esse samba morrer.
Ah, tem uma série de outras medidas que devem nos motivar a sair da inércia e nos fazer acreditar na luta política pelo futuro, como: 1. proibir carros a combustão e repensar transporte urbano; 2. restauração de ecossistemas - tipo o Rewilding Europe - que mostram como a regeneração de florestas e pântanos pode sequestrar carbono e restaurar biodiversidade; 3. apoio total e irrestrito a comunidades indígenas; 4. grandes programas federais para capacitação de trabalhadores para empregos de energia limpa; 5. proteção social universal, para garantir saúde, educação e renda básica enquanto o mundo se deteriora; 6. Direitos da Natureza (como ocorreu no Equador e na Nova Zelândia)…
O Eliot Jacobson também falou em diferentes vídeos para remodelar a comunicação e evitar eufemismos, mas ter estratégias para não gerar pânico. A ideia, se bem entendi, é falar de "emergência" ou "colapso", não apenas de "mudança climática”, e mostrar dados brutos. Ex.: “atingimos 1,5°C de aquecimento em 2023, e os impactos são irreversíveis" (Copernicus Climate Change Service).
Equilibrar Urgência e Agência: enfatizar que nada está perdido. Mesmo em cenários críticos, cada 0,1°C evitado salva vidas. Temos que persistir e destacar vitórias locais, como a proibição do fracking na Argentina, a expansão de energia solar na Índia [isso foi um exemplo que ele disse num vídeo, mas não tenho muita certeza porque esses painéis solares também geram alta demanda de mineração nas zonas de sacrifício usuais (América Latina e África). Isso teria que ser analisado com cuidado.]
Além disso, ter em mente estratégias psicológicas, tais como: promover "esperança ativa". Reconhecer o medo, mas canalizá-lo para ação coletiva (como aliás também propõe Joanna Macy, ecofilósofa). Fazer uma “comunicação trauma-informada": evitar imagens apocalípticas sem contexto e oferecer caminhos práticos de engajamento.
E, óbvio, não perder de vista que não vai ser uma ciranda que vai resolver essa porralokisse. Afinal, a resistências das elites (fascistas) não vai se desfazer como açúcar na água. Sabemos que corporações fósseis e governos aliados bloqueiam mudanças (ex.: lobby contra impostos sobre carbono etc). Temos que organizar arranjos coletivos e políticos para avançarmos, e isso demanda participação de todes nós.
Isso sem falar no familiar “cansaço climático”: muitas pessoas se sentem sobrecarregadas pela magnitude do problema. Eu me sinto também.
Porém, a ideia central é que não há solução única, mas um conjunto de ações interligadas em que cada pessoa, em sua limitada ação pessoal, pode fazer alguma diferença. Aceitar a gravidade do colapso, sem romantizar ou normalizar, é só o início. Agir local e globalmente, pressionando governos e mudando hábitos (repensar discursos e consumo, participar de protestos). Priorizar a solidariedade, protegendo os mais vulneráveis e construindo redes de apoio mútuo.
Como diz a escritora e ativista adrienne maree brown:
"Não somos apenas vítimas do colapso, somos sementes do novo mundo. Tudo depende de como regamos essas sementes."
Do ponto de vista pessoal, já passei por muitas emoções, colocando em cheque as ambições e os estilos de vida do mundo ao meu redor. Não vou mentir, claro que também já tive momentos de tristeza profuuunda por lidar com isso tudo, por enxergar pouca esperança no mundo e por amar as pessoas, a cultura humana, a arte, a vida e ver tudo em cheque. Dói. Felizmente, isso passou (foda-se também hahaha brincadeira), primeiro porque passei a valorizar (ainda mais) os momentos com minha família e os meus amores. Podemos nos apegar aos sentidos banais do dia a dia para enfrentar os grandes dilemas da existência. Rir com meus amigos, jantar com minha mãe, jogar canastra meu pai, ler um bom livro, beijar o corpo do meu amor, cozinhar algo que me dê satisfação, brincar de mundo mágico com meu sobrinho, ouvir a voz da minha amiga que mora longe, jogar ping-pong, dançar no carnaval, ouvir música.
Também gosto do que o Eliot fala sobre termos coragem. Coragem para não sucumbir às dores de dentro nem às pressões de fora, coragem para romper com o negacionismo em todas suas formas (incluindo o tecno-otimismo ora ingênuo, ora sonso, e a passividade dos “normies”). Coragem para exigir mudanças e responsabilizar o poder, seja ele qual for, focando em ações concretas e priorizando sempre a justiça social ao lado da justiça climática. E coragem para evitar o pessimismo paralisante, o niilismo pós-digital e a fé cega.
Coragem para rasgar o derrotismo e sair mais forte disso. Estamos vivos, estamos aqui, é o mundo que nos foi dado e paciência. Depois de se lamentar, de se irritar e de querer desistir, uma hora a energia que vem de dentro retorna,
reorganizamos as ideias e voltamos à luta.
Por que escrevi isso tudo? Porque vejo derrotismo em toda parte (em mim tmb), e mapear problemas e soluções é uma forma de perceber que há tanto para ser feito. Há tanto para estudar, para refletir, para imaginar e criar. Certifique-se de que há perto de você pessoas e ideias que enxergam a gravidade do problema e ao mesmo tempo vibram numa direção que valoriza a vida. Como uma última recomendação, fico bastante comovido com as palavras da Sabrina Fernandes, socióloga que cruza muitas questões de forma didática e muito pertinente, e do Instituto Alameda. Um alento perceber isso: existem tantas pessoas bonitas emanando força e resistência política nessa boa rebelião ecossocialista que precisamos regar/estamos regando.
A briga vai ser dura, quente e difícil, mas definitivamente não estamos sozinhes.
<3
Descreveu toda a minha angústia atual! As lutas partem de diversos pontos, conforme você descreveu na conclusão. Vamos à elas! Eu não estou em nenhuma camada da cebola, e fiquei muito aliviada por isso. Sou a que faz e quer fazer, mesmo sabendo que é bem difícil.
Excelente! 👏👏